Longo caminho para a soberania,<br>a paz e o desenvolvimento
«Em nome do povo angolano, o Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama solenemente perante África e o mundo a independência de Angola.» Começou com estas palavras, proferidas por Agostinho Neto na noite de 11 de Novembro de 1975, o anúncio do nascimento de um novo país, a República Popular de Angola, tornado possível pela luta tenaz do seu povo e pela solidariedade que ela despertou nos quatro cantos do mundo.
A «grandiosa tarefa de reconstrução nacional», anunciada então pelo líder do MPLA e primeiro presidente do país, revelou-se particularmente difícil e acidentada, com o povo angolano a enfrentar uma brutal agressão militar, sucessivas ingerências externas do imperialismo que levaram a uma prolongada guerra civil, diversas conjunturas internacionais e graves problemas económicos e sociais, muitos dos quais ainda persistem. O caminho a seguir traçou-o Agostinho Neto no final da proclamação, naquele que é um dos principais lemas do MPLA: «A luta continua! A vitória é certa!»
A proclamação da República Popular de Angola culminou uma primeira etapa da luta do povo angolano pela independência e o progresso, iniciada com a constituição do MPLA, em 1956, e sobretudo com o início da luta armada contra o colonialismo português, a 4 de Fevereiro de 1961. Após mais de uma década de guerra («do Ultramar», para o governo fascista e colonialista; «colonial» e de «libertação nacional» para os democratas portugueses e para os patriotas africanos), e na sequência da Revolução de Abril, iniciada a 25 de Abril de 1974, Angola declara nesse histórico 11 de Novembro de 1975, a sua independência. Poucos meses depois, Angola era admitida nas Nações Unidas e tinha sido reconhecida por quase uma centena de países.
Na declaração de independência, já citada, sublinhava-se o subdesenvolvimento de Angola e a sua dependência face ao imperialismo, situações herdadas da colonização portuguesa. Afirmava-se, em coerência, o «propósito firme de mudar radicalmente as actuais estruturas, definindo desde já que o objectivo da reconstrução económica será a satisfação das necessidades do povo» e a necessidade imperativa de alcançar a «independência económica». A libertação total do país e de todo o povo da «opressão estrangeira» era outra das metas traçadas.
Aparte a justeza dos objectivos definidos e a determinação dos dirigentes angolanos em os concretizar, o jovem país teria ainda que passar por muitas provações e duras provas até que a independência proclamada fosse efectivamente uma realidade. Decidido a impedir a verdadeira libertação de Angola e a preservar os seus interesses no país, como em toda a África Austral, o imperialismo moveu contra o povo angolano uma longa e destruidora guerra, que só terminaria definitivamente em 2002. Foram instrumentos desta tenebrosa estratégia de ingerência e dominação a FNLA e a UNITA, mas também o Zaire de Mobutu e a África do Sul do apartheid, que chegaram a invadir território angolano.
No momento em que Agostinho Neto proclamava, em Luanda, a independência de Angola, travavam-se combates entre os patriotas angolanos do MPLA e as forças da agressão e da ingerência que se escondiam por detrás da FNLA de Holden Roberto e da UNITA de Jonas Savimbi. Nestes dois movimentos pontificavam antigos agentes da PIDE, operacionais do ELP, mercenários de diversas nacionalidades e forças zairenses e sul-africanas, sendo sobejamente conhecidas as suas ligações a sectores neocolonialistas portugueses e ao imperialismo norte-americano. Sintomático é o facto de os EUA só terem reconhecido o governo de Angola em 1993, quase duas décadas depois da independência.
Solidariedade recíproca
A conquista e salvaguarda da independência foram feitos notáveis do povo angolano, unido em torno do MPLA, alcançados com grande heroísmo e tenacidade e à custa de imensos sacrifícios. Mas a história poderia ter sido outra se, no seu combate pela paz, a soberania e o progresso, Angola não tivesse contado com a solidariedade das forças revolucionárias e progressistas de todo o mundo – e, desde logo, do PCP (ver caixa) e de largas centenas de cooperantes portugueses que colocaram os seus conhecimentos e experiências ao serviço do desenvolvimento económico e social deste jovem País.
Para as imensas tarefas da defesa da independência e da reconstrução económica, Angola contou com o apoio da União Soviética, que solidariamente lhe forneceu quadros e equipamento. Na dura resistência à agressão estrangeira, nomeadamente da África do Sul do apartheid – e, indirectamente, do imperialismo norte-americano –, foi sobretudo com Cuba socialista que a nova Angola independente pôde contar: lado a lado com as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e com destacamentos da SWAPO namibiana e do ANC e Partido Comunista Sul-Africano, milhares de soldados cubanos combateram durante anos a agressão sul-africana, que acabaria por ser definitivamente derrotada no final da década de 80 na sequência da batalha de Cuito Canavale, a maior travada no continente desde a Segunda Guerra Mundial.
As ondas de choque da derrota sul-africana estenderam-se muito para lá da salvaguarda da independência de Angola: o regime racista da África do Sul viu-se forçado a retirar da Namíbia, que se tornou então num país independente; o próprio apartheid sobreviveria apenas por poucos anos. Como diria mais tarde Nelson Mandela, «Cuito Cuanavale foi a viragem para a luta de libertação do meu continente e do meu povo do flagelo do apartheid».
Desde que iniciara a luta armada contra o domínio colonial português e, com expressão redobrada, a partir do seu nascimento como país independente, Angola não se limitou a receber a solidariedade das forças progressistas de África e do mundo; ela foi também activamente solidária com «todos os povos oprimidos do mundo», como Agostinho Neto prometeu a 11 de Novembro de 1975. Para além do caso da Namíbia, já referido, assumiu particular importância o apoio angolano à luta libertadora do povo do Zimbabué, que em 1980 se libertou do regime racista de Ian Smith e, como referido, do povo da África do Sul.
Angola teve também um papel destacado na criação da «Linha da Frente» – nome por que ficou conhecido o conjunto de países que resistiam à agressão dos regimes racistas da então Rodésia (actual Zimbabué) e da África do Sul. Os países da «Linha da Frente» eram, para além de Angola, Botsuana, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e, a partir de 1980, o Zimbabué.
A paz possível
Em 2002, a paz chegou finalmente a Angola, com o abandono das armas por parte da UNITA depois de morto o seu líder, Jonas Savimbi (a FNLA, por seu lado, deixara o campo de batalha ainda nos anos 80, após sucessivas derrotas militares). Após 13 anos de guerra de libertação e mais de duas décadas de resistência a sucessivas ingerências e agressões externas, directas ou encapotadas, Angola podia finalmente deitar mãos à obra de edificação nacional. O ponto de partida, porém, era extremamente adverso.
Tantos anos de guerra deixara o país exangue: milhares de pessoas morreram e muitas outras – homens, mulheres e crianças, muitas crianças – ficaram estropiadas pelas minas; muitas localidades e províncias estavam quase privadas de indústria, agricultura ou infra-estruturas; os mais elementares serviços públicos não chegavam a grande parte da população. A capital, Luanda, passou de um para cinco milhões de habitantes, acolhendo angolanos de todo o país que ali procuravam segurança e refúgio. A expansão da cidade não conseguia acompanhar tamanha pressão demográfica.
Mas estes foram só alguns dos problemas com que Angola se confrontou desde que a paz foi finalmente alcançada. Se o país se transfigurara em quase 30 anos de conflito armado, estimulado pelo imperialismo, o mundo não mudara menos. Os mais fiéis aliados de Angola na sua luta pela conquista e salvaguarda da independência, a União Soviética e o campo socialista, não existiam mais. Angola teve então que procurar «novos amigos», para utilizar uma expressão do próprio MPLA.
A alteração profunda da correlação de forças à escala mundial levou a que se interrompesse ou pelo menos refreasse o rumo progressista que, até aí, muitos dos países que resultaram da derrocada do sistema colonial persistiam em trilhar. Em muitos casos, as burguesias emergentes reforçaram laços com o imperialismo, que não hesitou em intensificar o saque aos imensos e ricos recursos naturais, a exploração da mão-de-obra barata e o aproveitamento de novos e florescentes mercados.
Nos últimos anos, a política de recolonização do continente africano por parte das grandes potências capitalistas assumiu novamente uma expressão militar: os EUA criaram um comando militar próprio para o continente, o AFRICOM; a França volta a instalar as suas forças armadas em algumas das suas antigas colónias, como o Mali ou a República Centro-Africana; a Líbia pagou caro a sua resistência aos ditames imperialistas e hoje, após a agressão militar da NATO, é um país arrasado e dominado por grupos fundamentalistas.
Angola não vive isolada da realidade do seu continente. Os seus valiosos recursos naturais, como o petróleo ou os diamantes, são particularmente apetecíveis. Os índices de crescimento da economia são encorajadores, pese embora o desaceleramento recente provocado pela baixa do preço do petróleo. As desigualdades sociais persistem. A pressão do imperialismo é enorme.
Hoje, o MPLA aponta o propósito de construir uma «sociedade livre e democrática, assente na justiça e na solidariedade» e permanece fiel à determinação da salvaguarda da soberania e independência do país, que tantas vidas custou a conquistar e a defender. Com imensos obstáculos, reais problemas, contradições, fenómenos negativos a superar, Angola enfrenta os desafios do presente com determinação e, como sempre, assente nas imensas energias e capacidades do seu povo.
O camarada de sempre
O PCP esteve em Luanda nesse histórico 11 de Novembro de 1975, representado por Sérgio Vilarigues, do Secretariado, e Francisco Miguel, do Comité Central. Foi o único partido português a estar presente. As restantes forças políticas, da extrema-esquerda à direita (e particularmente o PS), opuseram-se frontalmente à proclamação da República Popular de Angola pelo MPLA, preferindo – de forma aberta ou encapotada – a eternização da guerra e a adopção de soluções neocolonialistas. Só em Fevereiro de 1976 Portugal reconhecia oficialmente a independência da sua antiga colónia. A ingerência, essa, estava longe de terminar…
A presença do PCP nessa cerimónia não foi fruto do acaso, antes representou o reconhecimento pelo permanente apoio e solidariedade dos comunistas portugueses à luta do povo angolano pela independência, a paz e o progresso. Depois de, logo em 1921-22, ter denunciado a brutal repressão que se abatia sobre são-tomenses e angolanos, o PCP reconhece, no seu III Congresso, realizado em 1943, o direito dos povos coloniais a «constituírem-se em estados independentes». Porém, o PCP entendia que nessa altura os povos das colónias não estavam ainda preparados para usufruir desse direito e que, caso se libertassem do colonialismo português, logo cairiam nas garras de qualquer outra potência colonial. O Congresso propôs, assim, a formação nas colónias de «ligas nacionais, organizações de cultural colonial, grupos de intelectuais indígenas» e também de organismos do PCP.
Três anos depois, no IV Congresso, defende-se a «ajuda fraterna do povo português aos povos das colónias» e define-se como tarefa imediata a «criação de núcleos partidários nas colónias portuguesas», tendo como objectivo principal a «organização dos povos indígenas e a sua movimentação na defesa dos seus interesses».
Solidariedade e apoio
Mas é sobretudo a partir do V Congresso do PCP, realizado em 1957, que a questão colonial ganha centralidade na acção e na proposta política do Partido, declarando a exigência de «imediata e completa» independência das colónias e afirmando a disposição do PCP em apoiar a formação de organizações capazes de travar a luta pela independência. Poucos anos depois, o PCP organizou a saída ilegal de Portugal para África de Agostinho Neto e Vasco Cabral, históricos dirigentes do MPLA e do PAIGC que, como outros, lutaram lado a lado com os comunistas portugueses contra o fascismo e o colonialismo e pela liberdade. Em Fevereiro de 1961, o Avante! noticia na primeira página: «O povo de Angola inicia a luta armada pela sua independência.»
Em 1965, o Programa do Partido aprovado no VI Congresso consagrou como um dos objectivos da Revolução Democrática e Nacional precisamente «reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência». Até ao 25 de Abril e nos meses e anos que se lhe seguiram, o PCP manteve-se sempre firme no apoio ao MPLA, à FRELIMO, ao PAIGC, ao PAICV e ao MLSTP, recusando manobras neocolonialistas e ingerências imperialistas. Na nota da Comissão Política emitida a 5 de Novembro de 1975, o PCP apelava ao reconhecimento do MPLA como «único e legítimo representante do povo de Angola», provada que estava a ligação de FNLA e UNITA ao imperialismo, a sectores reaccionários e colonialistas portugueses, a forças estrangeiras ocupantes e a antigos agentes da PIDE.
Nas décadas que se seguiram à independência, Angola foi dilacerada pela guerra movida pelo imperialismo, que só terminou em 2002. Ao contrário de outros, o PCP esteve sempre, sem hesitações, do lado do povo angolano e do MPLA, dos que defendiam a soberania e a paz.
Hoje, no seu Programa «Uma Democracia Avançada – os Valores de Abril no Futuro de Portugal», o PCP propõe uma política externa «diversificada, de paz, amizade e cooperação com todos os povos». No caso dos países de língua portuguesa, essas relações devem ser mesmo de «privilegiada amizade e cooperação». Mas, reafirma, «livres de pretensões neocolonialistas».